domingo, 9 de outubro de 2011

Os Intocáveis


É sempre maravilhoso descobrir uma obra prima. Mesmo com 24 anos de atraso... Os Intocáveis, produção de 1987 de Brian de Palma, salta aos olhos e aos ouvidos já nos créditos iniciais. A trilha forte de Ennio Morricone, aliada ao movimento das palavras encobertas por sombras, revela a atmosfera de ação e suspense a que estaremos submetidos nas próximas duas horas de projeção. Noção também da criatividade do uso da câmera e do destaque daqueles considerados “intocáveis” a partir do afastamento do título.

O contexto que temos é a Chicago durante os anos 1930, período da lei seca que consistia em proibir a fabricação, venda e consumo de bebidas alcoólicas em todo os Estados Unidos. Como resultado, um alto índice de ilegalidade e violência lideradas por mafiosos. Um de seus principais representantes, o ítaloamericano Al Capone, vivido magistralmente por Robert de Niro, nos é apresentado em um amplo plongée de forma a dar conta de sua influência e poder diante de seus subordinados. Como “os intocáveis”, quatro figuras ocasionalmente unidas pela busca da justiça. Em Elliot, personagem de Kevin Costner, temos o marido e pai amoroso, designado como agente especial do Tesouro para conter Al Capone e combater a criminalidade na cidade de Chicago. À determinação e sentimentalismo de Elliot complementam-se a experiência, força e bom humor de Malone, ex-policial vivido por Sean Connery; a prática e agilidade de Stone, personagem de Andy Garcia; e a boa vontade e talento para os números de Oscar, intocável interpretado por Charles Martin Smith. Cada um deles com papel essencial na narrativa.

Percebemos em Os Intocáveis uma bela condução a distinguir imponência e simplicidade, crime e justiça, crueldade e honestidade. A suntuosidade em referência a Al Capone revela-se em tudo, sempre destacada pelos planos, ângulos, movimentos de câmera e cores fortes. São panorâmicas, plongées e contraplongées, além de planos gerais a dar conta da dimensão do ambiente. Na fotografia, o vermelho e preto a destacar força e poder. Em contraste, o lado ameno e intimista dos intocáveis em seus tons bege e amarelado, frequentemente focados em planos mais fechados. Em uma transição que reflete bem a diferença entre os dois mundos, temos a confraternização entre os intocáveis à mesa e a foto que registra a união e companheirismo do grupo. Assemelham-se no propósito, humor e postura uns diante dos outros. Na sequência, em outro cenário, temos Capone, também à mesa. Mas ele não se iguala. De pé, é maior que todos os outros sentados, à escuta. A rigidez de sua atitude, em um desfecho trágico e sangrento, é a quebra da serenidade expressa pelos intocáveis. Entendemos do que Capone é realmente capaz. E torna-se impossível não temer e ansiar pelo que restará do embate entre os personagens.

Repleto de cenas que permanecem na memória, Os Intocáveis possui uma trama muito bem amarrada. As peças são encaixadas sem que nada se perca, de forma a que tudo na narrativa faça sentido. Como na descoberta e perseguição ao contador de Al Capone a envolver todos os personagens em seus momentos mais tensos e decisivos. A cadeia dos Intocáveis, mais uma vez a simbolizar a sintonia do grupo, desenrola-se surpreendentemente... Oscar, Malone, Stone e Elliot. Cada um tendo que se sacrificar e extrair o melhor de si para alcançar o objetivo do grupo. Nem que para isso tenham que entregar a própria vida.

O esforço e agonia de Malone durante sua perseguição, por exemplo, ironicamente intercalada à fisionomia satisfeita de Capone em um espetáculo de ópera, são impulsos que conduzem Elliot e Stone a uma das sequências mais surpreendentes de todo o filme. Na escadaria do metrô, referência direta ao clássico O Encouraçado Potemkin, de Eisenstein, elementos como a mistura de trilhas e o slow motion, além de diálogos rápidos e um jogo intenso de olhares, dão um tom de ação e expectativa do início ao fim. Da mesma maneira, o embate de Elliot com o principal capataz de Al Capone só justifica-se por um detalhe, além de ter um desfecho diretamente ligado não apenas à sua personalidade digna, mas altamente determinada.

Os Intocáveis são, assim, um filme de detalhes. Rico em narrativa, técnica e interpretação. E mais especialmente, retrato de um submundo poderoso e cruel, mas não imbatível diante do anseio pela justiça.

Por Rafaella Arruda

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