sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O artista



Assistir a O Artista é lidar com as belezas e amarguras que permeiam o mundo da 7ª arte. Dentro e fora da tela. Na vida encenada e na vida real. Um filme mudo e em preto branco, que trata do próprio cinema mudo em um espetáculo de metalinguagem, O Artista conta a estória de George Valentin, astro das telas de Hollywood durante o final da década de 20. Um galã, alegre e simpático, à la Gene Kelly, que conquista as plateias com suas caras e bocas ao representar heróis e conquistadores. De uma maneira bastante trivial, Valentin conhece a espontânea Peppy Miller, e o acaso os faz serem fotografados juntos, como um casal. Admirada com o astro e vislumbrada com as possibilidades de também tornar-se atriz, Peppy Miller aventura-se na carreira com o apoio de Valentin. A partir da chegada do cinema falado, os atores tomarão caminhos opostos. Ele irá persistir na arte que o consagrou, negando-se a aderir à nova linguagem. Ela mostrará todo seu talento nos filmes falados. O destino de suas carreiras, ao enfrentar queda e ascensão, será o destino de suas próprias vidas.
 
O Artista desperta diferentes emoções, desde o riso até o choro. As cenas iniciais entre Valentin e Miller são leves, divertidas, e até certo ponto, ingênuas. A sequência em que se reveem pelos pés através de um biombo, em um estúdio de filmagem, ou na qual Miller é surpreendida por Valentin em seu camarim, enquanto abraça o paletó do ator, revela o despertar de um sentimento que, embora pareça tímido, se mostrará forte e capaz de enfrentar as mais difíceis situações. 
Por outro lado, a decadência financeira e profissional de Valentin, representada sem delongas a partir de uma ascensão consolidada, é o retrato penoso da destruição de um sonho e facilmente nos faz sentir pena e nostalgia pelos dias de glória. As tentativas frustradas do ator em manter o sucesso só reforçam esse sentimento, como ao lançar-se como roteirista, produtor, diretor, editor e ator de um possível “novo filme mudo de sucesso” e receber um retorno ínfimo do público. Em contraste, a carreira cada vez mais gloriosa de Peppy Miller. De aspirante à atriz, ela torna-se o que Valentin foi. Em diferentes momentos, ao reencontrarem-se, essa diferença de status é representada pelo posicionamento dos atores e ângulos de filmagem. Na conversa nos degraus do estúdio, a atriz está acima, enquanto ele, abaixo. Na mesa do restaurante, enquanto Miller responde à imprensa, iluminada, Valentin recua-se ao canto mais escuro, frustrado. 
A resistência de George Valentin em aceitar a chegada do cinema falado é repleta de simbologias. Cheio de vida, mas também de medo e orgulho, o ator nega o novo. Em seus sonhos, representados com belos esquemas de edição, o som é o maior vilão. A voz lhe falta, enquanto a dos demais lhe oprime. Mas talvez seja na presença de um adorável cãozinho, principal companheiro de Valentin desde as cenas iniciais do filme, que esteja melhor representado o conflito entre o mudo e o falado, entre o sentimento e sua verbalização. São eles os que mais se entendem, sem que, para isso, precisem trocar uma só palavra. O mesmo acontecendo em diferente escala, entre Valentin e seu chofer Clifton, em um relacionamento repleto de verdade e lealdade, e de poucas palavras. 
Transportados para a era do cinema mudo a partir de uma bela trilha sonora, condizente com as sensações trazidas pelo filme, e personagens oportunamente caricatos e sensíveis, O Artista nos enriquece ainda com referências claras a alguns clássicos da 7ª arte, como Cidadão Kane e Cantando na Chuva. Ao encerrar-se com a chegada dos musicais, o filme parece completar um ciclo e retomar a grandiosidade dos momentos de Valentin. Um artista não necessariamente rendido à fala, mas ao amor da mulher que soube abrir seus olhos para a capacidade de viver sem esconder o próprio talento. 
Por Rafaella Arruda

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A Separação



O drama iraniano A Separação (2011) é um belo, tenso e emocionante retrato da vida comum. Em meio a um dilema afetivo, mais marcado pelo conflito de interesses do que pela falta de sentimentos, o casal Simin e Nader resolve se separar. Ela pretende mudar-se do Irã e começar uma nova vida ao lado do marido e da filha Termeh, de 11 anos. Ele, dedicado ao pai que sofre de Alzheimer, recusa-se a abandoná-lo para acompanhar a esposa, assim como se nega a aceitar a partida da filha. O impasse, que vê na separação a única saída, torna-se o ponto de partida para uma nova realidade. Longe da esposa e tendo que se dedicar ao pai, de 80 anos, e aos cuidados de sua filha, Nader contrata Razieh, uma mulher a quem caberá os serviços domésticos e os cuidados do idoso durante sua ausência. Uma árdua tarefa que levará a batalhadora e dedicada mulher a enfrentar seus limites... Após um incidente no trabalho, Razieh, Nader e suas respectivas famílias enfrentarão novos impasses, colocando em jogo questões envolvendo dignidade, família e religião.

O uso frequente de câmera subjetiva e planos fechados, que quase não nos permite perceber os ambientes em sua totalidade, enquanto enfatiza a expressão dos atores, cria uma sensação de proximidade do espectador com os personagens e suas aflições. A captura constante de particularidades dos cenários domésticos, como porta, janelas e escadas, também nos aproxima da vida daqueles que são representados, criando uma intimidade entre nós e o ambiente, como se também fizemos parte daquela rotina. Nas situações de angústia e tensão, por exemplo, somos também acuados, como durante os tantos diálogos intensos, praticamente sem pausas. Mas A Separação é, antes de tudo, um filme marcado pela sensibilidade, pela naturalidade das emoções tão bem transmitidas pelos atores.

Os personagens, cada um com seu destacado valor (incrível perceber como cada uma das estórias representadas assume uma importância para a narrativa), são fortes, e ao mesmo tempo frágeis. Como Nader, homem honesto, dedicado e atencioso que em momento decisivo se encoleriza, acusa, agride... E Razieh, zelosa, decente, compreensiva e temente a seu Deus, mas que se precipita ao acusar sem certezas. Indivíduos que se sacrificam e se perdem em suas fragilidades. Do outro lado, as doces crianças Termeh e Somayeh, que não menos se sacrificam, e que, em sua pureza e inocência, enfrentam as dificuldades da vida sem escudos. Perceber o choro da menina Termeh, ao surpreender a aparente morte do avô, ou da pequena Somayeh, no desespero de presenciar o sofrimento da mãe, são situações que emocionam tanto quanto o choro de Nader na luta para cuidar do pai ou de Razieh, que implora perdão para conseguir a liberdade do marido. Situações magistralmente conduzidas e que exalam verdade.

Mas o importante é que a produção iraniana A Separação não é um retrato pessimista da vida. É sim, apenas, um retrato da realidade, com todos seus dilemas. Talvez tão perfeitamente transpostos mesmo para nossa tão distinta realidade Ocidental. Um mundo de homens comuns permeado pelo conflito de valores como família, religião, educação e respeito próprio. Onde se relacionam pais e filhos, senhores e empregados, crianças e idosos.

No filme, a sensação é de que, apesar das dificuldades, no fim, sobressaem os bons valores. A moral, e não a decadência. E como forma de trazer esse questionamento a nós mesmos, temos a estratégica cena final em que se retoma a situação da “separação”. Seríamos capazes, estando no lugar do personagem, de decidir pelo melhor caminho? Com quem ou pelo quê ficaríamos? É com essa pergunta que abandonamos a tela... Procurando respostas. Pensando sobre as dificuldades do mundo, mas principalmente, sobre nossa postura diante delas.

Por Rafaella Arruda