sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Cabo do Medo



Na atual cidade de New Essex, Estados Unidos, um homem recém-saído da prisão retorna à liberdade com o desejo único de vingança. Condenado a 14 anos após estuprar uma jovem, Max Cady (Robert De Niro) parte em busca de Sam Bowden (Nick Nolte), advogado que havia assumido sua defesa no caso e logo após abandonado ao tomar conhecimento do grave estado da vítima. Entregue à defensoria pública, Max é considerado culpado. Na cadeia, descobre que informações acerca da vida promíscua da vítima, capazes de reduzir sua pena, haviam sido omitidas pelo ex-advogado. Agora, nas ruas, Max Cady quer se vingar, e para isso não medirá conseqüências. Sam, a esposa Leigh (Jessica Lange) e a filha adolescente Danny (Juliette Lewis) serão os alvos deste violento psicopata, em uma trama surpreendente sobre traição, vingança e assassinatos.

A estrutura narrativa linear de Cabo do Medo revela de forma gradual o perfil dos personagens. Inicialmente, em fragmentos breves, apresenta os protagonistas que constituem um único núcleo narrativo: Max Cady e a família de Sam Bowden. A partir da primeira virada violenta e dramática da estória, com o estupro da amante de Sam, Lori Davis (Illeana Douglas), as ameaças de Max tornam-se fatos, o que garante a expectativa e suspense acerca dos próximos acontecimentos. O vilão revela sua perversidade e deixa claro do que realmente é capaz.

Irônico e destemido, Max não teme as leis e a possibilidade de retornar à prisão; violento, usa de toda a força física para agredir e matar; cruel, lança mão de tortura psicológica ao fazer ameaças constantes e sugerir a suas vítimas as mais constrangedoras situações. O corpo forte e coberto por tatuagens constitui para Max uma arma letal e resulta da preparação durante os anos que esteve na cadeia. Fanático religioso, recita de cor trechos da Bíblia em momentos cruciais da trama, como durante a agressão encomendada por Sam ou no embate final na casa flutuante. A forte ligação com a religião e a visão estranha que possui de Deus, inclusive, contribuem para tornar Max um personagem interessante e curioso não apenas do ponto de vista físico, mas também moral e psicológico. Em diversas situações, Max surpreende em atitudes não esperadas pelos personagens nem pelo espectador, como ao se esconder sob o carro na fuga para à casa flutuante ou ao se disfarçar com as roupas da empregada da família, após assassiná-la. Também ao aproximar-se de Lori e Danny, sem revelar quem realmente é, Max gera grande expectativa sobre como e quando se manifestará.

A sequência entre Max e Danny na escola é um destes exemplos. Ao se encontrarem, após uma estratégia muito bem planejada pelo vilão, Danny não tem consciência da ameaça a que está submetida, o que garante a tensão da conversa do início ao fim: sabemos do mal que Max quer fazer à jovem, mas não sabemos ainda de que maneira; sabemos do que ele é capaz, enquanto a jovem acredita apenas estar conversando com um professor. Com diálogos inteligentes e repletos de subjetividades, a inocência de Danny, brilhantemente representada por Juliette Lewis, se contrapõe à malícia de Max em uma sequência bastante envolvente. Ela figura o estereótipo de uma adolescente em fase de transição e questionamentos, e seus trejeitos físicos, andar e olhares nos fazem percebê-la como uma jovem imatura e inexperiente, presa fácil de uma mente perversa como a de Max Cady

Sam Bowden, apresentado como um frio advogado e pai de família, também revela ao longo da trama mais de seu caráter. Descobrimos que ele trai a esposa e tem problemas de relacionamento com a filha adolescente. Todos os três com temperamentos fortes e propensos ao conflito de interesses. Enquanto alega sensatez por ter abandonado a defesa de Max, 14 anos antes, lança mão de métodos ilegais para capturá-lo ao pagar capangas para agredi-lo. Assim, à medida que as ameaças de Max aumentam e Sam sente-se acuado e perturbado, percebemos no advogado uma grande determinação para proteger sua família, podendo, semelhante ao algoz, levar sua atitude até às últimas consequências. Da mesma maneira, ansiamos pelas investidas de Sam e pela capacidade que terá para vencer o inimigo.

Nos aspectos técnicos de direção, o uso de violência extrema, mostrada com grande realismo (cena do estupro, agressão a Max Cady e luta na casa flutuante), a abordagem de conflitos familiares, a tensão psicológica íntima vivida pelos personagens e a submersão destes em uma atmosfera de traição e assassinatos são elementos que confirmam o estilo de Martin Scorsese, tome-se como referência obras de destaque do cineasta como Taxi Driver, Touro Indomável e Os Bons Companheiros. Por tratar-se de um suspense, Cabo do Medo prioriza a surpresa, a tensão e a expectativa, como já citado, e tem na trilha sonora e na fotografia elementos essenciais de reforço do gênero.

A trilha, de responsabilidade do músico Bernard Herrmann, que assinou inúmeras produções do mestre do suspense, Alfred Hitchcock, tem notas bem marcadas nos momentos mais tensos, ao antecipar surpresas, conduzir fugas e perseguições, e ao embalar as aparições de Max Cady. Em relação à fotografia, o uso recorrente de primeiro e primeiríssimo plano (ou close-up), câmeras estáticas e movimentos de zoom in captam as expressões dos personagens em momentos de maior tensão e, portanto, contribuem para o suspense ao enquadrá-los de forma mais próxima, possibilitando ao espectador compartilhar mais intensamente de seus medos e aflições. Exemplos são os enquadramentos longos em close-up de Max Cady ao ser levado à delegacia, acusado de envenenar o cão da família Bowden, e o movimento de zoom-in sobre Sam ao ser informado da acusação por agressão.

A iluminação do filme é predominantemente escura, com uso de sombras, reflexos na água e jogo de luzes que remetem a sonhos e alucinações. Essa forma valoriza o clima sombrio da trama ao encobrir elementos e personagens e, portanto, gerar expectativa sobre o que será revelado, como na sequência em que a família Bowden esconde-se na própria casa, às escuras, para aguardar a chegada de Max. Além disso, também para reafirmar o estilo de Scorsese, Cabo do Medo faz uso recorrente de cores fortes, com ênfase no vermelho, seja no sangue intenso das cenas de violência ou no próprio figurino de Max Cady, inclusive caracterizando o seu próprio carro. Neste sentido, o vermelho simboliza o pecado e a maldade de Max Cady, aquele pelo qual se tem mais temor.

Cabo do Medo representa, assim, mais um suspense hollywoodiano de qualidade. Com uma trama envolvente, personagens fortes e um clima sombrio e ameaçador, é mais um exemplo da condução fascinante de Scorsese em parceria com o brilhante Robert De Niro.


Por Rafaella Arruda

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